01 dezembro 2008

Supervisão financeira deve ser eficaz

É da natureza humana a acomodação a rotinas, o curto olhar para o próprio umbigo, a ausência de auto-crítica e o excesso de auto-estima, principalmente quando se trata de pessoas instaladas no Poder e quando esse poder tem a maioria absoluta, geradora de autoritarismo, arrogância e teimosia do «quero, posso e mando». Nestas circunstâncias, impõe-se uma oposição esclarecida, válida, corajosa, para apontar os erros a reparar, e as soluções possíveis para evitar a sua repetição. Diz o ditado que é mais fácil ver um cisco no olho do vizinho do que um argueiro no próprio.

Goste-se ou não do estilo de Francisco Louçã, discorde-se ou não de que lhe falta serenidade e gravata para ser primeiro-ministro, o certo é que está a desempenhar com muito vigor e patriotismo o seu actual papel de oposição. Na notícia que se transcreve, vê-se que trata com muito realismo e objectividade o problema do sistema financeiro, da sua investigação, inspecção, controlo e acompanhamento e da forma simplista como o Governo se serve do dinheiro dos nossos impostos para salvar empresas privadas suprindo erros dos administradores e saltando por cima da responsabilidade dos accionistas, donos dessas empresas. O argumento tem sido que isso defende interesses dos clientes dos bancos, o que é uma falácia pois esses clientes têm sido lesados permanentemente pela ganância dos bancos que lhes impingem teimosamente soluções e facilidades que só os prejudicam mas que aumentam os lucros dos banqueiros. À frente dos banqueiros, os governos devem colocar os reais interesses dos cidadãos mais desprotegidos e que são explorados pelo capitalismo selvagem que beneficia de todos os apoios.

As críticas mais eficazes e construtivas dum sistema não vêm de dentro, mas de fora, como este caso nos mostra. Vejamos o texto.

BE propõe inquérito ao «lixo tóxico» de todos os bancos
domingo, 30 de Novembro de 2008

O Bloco de Esquerda (BE) propôs hoje a realização de um inquérito ao «lixo tóxico» de todos os bancos para determinar quanto valem as operações financeiras das instituições.

«Para definitivamente acabar com a delapidação de fundos públicos, para proteger um efeito de dominó de prejuízos atrás de prejuízos, o BE quer propor que o Governo, através do Banco de Portugal, faça um inventário do lixo tóxico nos fundos de pensões, nos fundos de investimento e nos balanços dos bancos», disse o líder do BE.

Francisco Louçã falava numa conferência de imprensa, em Lisboa, durante a qual apresentou algumas propostas de novas regras de supervisão bancária.

O inquérito proposto pelo BE destina-se a avaliar «quanto valem as operações financeiras de todos os bancos, de tal modo que sejam obrigados a corrigir os seus balanços, se necessário, em função do valor real daquilo que têm e se necessário aumentar o capital em 2009», disse.

«Se o inventário não for feito agora ele vai-nos entrar pela porta do cavalo, porque vai haver um banco atrás de outro que vai ter problemas e que vai pedir socorro ao Estado. E que em vez de actuar por via dos seus accionistas que são responsáveis pelo seu capital, vão pedir dinheiro ao Governo», afirmou o líder do BE.

«Vamos ter um Ministério das Finanças na lufa-lufa de salvar bancos atrás de bancos, sem nunca fazer perguntas. Quem especulou, quem perdeu, porque é que perdeu, onde perdeu e não é responsável pelo que perdeu? Nunca se fazem as perguntas e nunca se pedem responsabilidades a não ser ao contribuinte», acusou Francisco Louçã.

Sobre o aval financeiro pedido ao Estado pelo Banco Privado Português (BPP), que apresentou como garantias activos no valor de 500 milhões de euros, o BE propôs também a venda destas garantias.

«Das duas uma, ou essas acções e esses activos valem mesmo os 500 milhões de euros que o banco diz e servem para pagar as suas dívidas, provocadas pela sua acção, ou não valem nada e o Estado não pode aceitar uma garantia que não vale nada», declarou Louçã.

«Em última análise serão sempre os contribuintes a pagar com os seus impostos esta vertigem de operações financeiras sem nenhum sentido e pelos quais os banqueiros não são responsabilizados», acrescentou.

O líder do BE anunciou ainda a apresentação de um projecto de lei, na próxima semana, para responder à delinquência económica e financeira.

O projecto de lei «determinará a proibição de créditos a sociedades cujos donos são incógnitos ou anónimos, em offshore, determinará a obrigatoriedade do registo de operações de transferência de capital de Portugal para paraísos fiscais, determinará a tributação dos movimentos especulativos de curto prazo e agravará a pena a todos os banqueiros e administradores que contribuam para o branqueamento de capitais», anunciou.

Diário Digital / Lusa

4 comentários:

Odele Souza disse...

"É da natureza humana a acomodação a rotinas, o curto olhar para o próprio umbigo..."

Uma frase absolutamente verdadeira. Mas o que consola é que muitos de nós reagimos contra essa natureza de nos acomodar a situaçoes com as quais não concordamos. O que nos consola é que muitos de nós vamos à luta, mesmo em em condições de desigualdade e mesmo que a vitória nos pareça distante. E parafraseando o querido Beezz: "A Nós, ninguém nos cala!"

Abraços.

A. João Soares disse...

Cara Odele Souza,
É certo que «muitos» reagimos. Mas na realidade somos POUCOS.
A rotina tem aspectos de irracionalidade, mas ela surge por um motivo lógico, por uma necessidade, mas depois arrasta-se pelo comodismo, pela preguiça de pensar, pela falta de coragem para discutir as coisas. E, por isso, uma coisa que se torna obsoleta e irracional vai sobrevivendo sob a capa opaca da indiferença.
Já contei aqui a história real do Michel, sobrinho do Engenheiro Pierre Sadoc, que assentava na atitude racional e anti-rotina da Aquitaine que decidiu pôr em causa a sua estrutura e o seu funcionamento, para o que contratou uma empresa especializada. Nas nossas vidas particulares, é fácil analisarmos cada um dos gestos diários para chegar à conclusão se serão úteis e convenientes ou se haverá uma forma mais simples e eficiente de actuar. Ma nas grandes empresas e nas estruturas estatais o caso fia mais fino e já se levantam vozes a sugerir análises semelhantes à da Aquitaine. Há mesmo serviços que já não têm razão de existir, e não são os seus dirigentes a acabar com eles. Há outros que ainda têm uma finalidade racional, mas que necessitam de serem reestruturados em função de uma mais eficaz consecução do objectivo a que se destinam. A rotina, se enquanto for racional economiza esforços para não se desgastarem recursos humanos e de tempo, quando fica demasiado maquinal e se torna desadequada aos fins da instituição, é nociva e retarda a acção por não se ter modernizado face às circunstâncias reais.
Vem a propósito recordar que Simone Veuil, numa entrevista de há poucos anos, depois de dizer que é ateia, ao ser perguntada sobre o texto que mais admirava, respondeu que é o PAI NOSSO, justificando que em poucas palavras diz tudo o que é necessário para traduzir o essencial da religião cristã. Porém, nós presenciamos que a maioria dos católicos papagueiam esta e outras orações sem analisarem o significado de cada palavra e de cada frase, por força (ou inércia) da rotina. Devido a nunca terem sido estimulados para discutirem cada frase, a serem desafiados a dizerem o mesmo por outras palavras, para melhor interiorizarem aquele texto maravilhoso e tão admirado por aquela senhora que até se confessa não crente.
E se não houver um esforço intelectual para questionar a religião, as pessoas, embora continuem com as suas rotinas mais ou menos inconscientes e sonolentas, acabam por não ser minimamente religiosas na forma como o Criador gostaria. Veja só a frase «perdoa-nos as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos tem ofendido». Nos tempos que correm, quem é que perdoa a quem? Quem é que ama os outros como a si próprio? Muito poucos.
E, com isto, apenas quis mostrar-lhe que a rotina embrutecedora e anestesiante é uma realidade a que muitos se submetem inconscientemente, por comodismo. Há muita gente que é de um clube de futebol por que já o é desde pequenino. O mesmo se passa com um partido, votando nele porque é costume, porque sempre fez assim.
É preciso fazer grande esforço para despertar os dorminhocos, a fim de passarem a agir conscientemente, racionalmente.
Beijos
João

José Lopes disse...

O sistema tenta salvar-se, e já nem teme evidenciar quem realmente manda, que é quem tem o poder económico. Ficou provado que um governo que se intitula de socialista, corre a despejar milhões para salvar detentores de fortunas, mas diz não ter dinheiro para tornar a saúde grátis, ou o ensino, como todos sabemos.
Cumps

A. João Soares disse...

Caro Guardião,
O poder está, como se vê, nas mãos dos detentores de grandes fortunas, mesmo que elas tenham sido criadas de forma imoral e, por vezes, de forma menos legal, para não dizer criminosa.
Chegámos a isso. Elegemos pretensos representantes mas que, depois, representam apenas os interesses de tais poderosos, a que pretendem juntar-se na primeira oportunidade, se ainda lá não estão.
Convém olhar atentamente para o passado dos poderosos.
Abraço
João

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Atribuído Pela nossa querida amiga e colaboradora deste espaço, a Marcela Isabel Silveira. Em meu nome, e dos nossos colaboradores, OBRIGADO.

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