26 novembro 2010

Depoimento, de um novo pobre.

Vale a pena ler até ao fim, vale a pena meditar sobre isto. Não tenho mais palavras para descrever o que li a seguir, fica ao vosso dispor para quem queira comentar...

O meu nome é António Oliveira, tenho 49 anos (jovens), sou casado, a minha esposa chama-se Joana, tem 28 anos e temos dois filhos, o António que vai fazer em Dezembro 3 anos e o André que também faz em Dezembro 10 anos e que iniciou este ano o 2º Ciclo.
Tenho formação académica ao nível universitário, trabalho desde os treze anos de idade (assisti ao dia da “revolução” o 25 de Abril), e nos últimos trinta anos desempenhei funções em cargos superiores de gestão em várias empresas da indústria alimentar em Portugal, a última das quais aqui em Torres Vedras. Para além disso, tenho também habilitações e prática na condução de veículos pesados de mercadorias em rotas internacionais.
A minha esposa tem o 12º Ano de escolaridade e também vários cursos ligados também a áreas de gestão de recursos humanos, e nos últimos anos trabalhou em empresas da grande distribuição (hipermercados), onde desempenhou funções de gestão de recursos humanos.
Há três anos a gerência da empresa onde eu trabalhava (Indústria Alimentar), de repente e sem razão aparente, decidiu encerrar esta unidade fabril, tendo eu e todos os que lá trabalhavam ficado no desemprego.
Inscrevi-me no Centro de Emprego de Torres Vedras e por iniciativa própria solicitei ser inserido em algum programa ocupacional, não só para me sentir bem comigo próprio por receber o subsídio de desemprego, mas também porque sou uma pessoa muito activa e assim ter alguma coisa de útil para fazer.
Inicialmente, fui trabalhar para uma biblioteca, mas este trabalho era bastante monótomo, embora eu tenha aproveitado para ler alguns livros interessantes. Assim, pedi para ser destacado para um outro programa ocupacional mais de acordo com as minhas capacidades, tendo sido então colocado na Escola Secundária Madeira Torres como Responsável Administrativo do Centro de Novas Oportunidades.
Entretanto, continuei sempre todos os dias a fazer uma procura activa de emprego, tendo enviado centenas de curriculos em resposta a centenas de anúncios de jornais e da internet, mas sempre com resultados nulos.
A determinada altura decidi que teria que pensar numa nova área profissional porque apesar de toda a minha experiência profissional, apesar de toda a polivalência demonstrada ao longo de vários anos em gestão comercial, vendas, gestão de logística, gestão de recursos humanos, produção etc., não consegui arranjar trabalho nestas áreas. Assim, decidi ir tirar a carta de condução categoria C+E, que me habilita a conduzir Veiculos pesados de Mercadorias.
Entretanto, como cheguei ao fim do periodo de receber subsidio de desemprego, fui “despedido” da Escola Secundária Madeira Torres.
Pontualmente, consegui fazer alguns “biscates” neste trabalho de motorista de pesados mas apenas para cobrir férias de pessoas ou ausencias por doença, em algumas empresas daqui da região. Mas ainda não consegui arranjar trabalho permanente nesta profissão como gostaria, quer em rotas nacionais ou internacionais.
Nos últimos dois meses andei a trabalhar na apanha de pêra e nas vindimas, aqui na região de Torres Vedras.
Agora estou de novo sem qualquer tipo de rendimento, e para complicar mais a situação, a minha esposa ficou também desempregada e numa situação que nem tem direito a receber qualquer tipo de apoio social.
Enquanto trabalhei, antes de ficar desempregado fui fazendo economias, pois nunca se sabe o dia de amanhã, mas nunca pensei que ficaria tanto tempo desempregado, mas as despesas correntes mensais são sempre as mesmas e não se compadecem se estamos desempregados ou não, as crianças estão sempre a crescer e necessitam de coisas quase mensalmente.
E as economias foram diminuindo pouco a pouco até não restar mais nada, e a situação chegou a um ponto em que tive que recorrer até ao Banco Alimentar Contra a Fome para alimentar a minha família, mas até neste pedido de ajuda não tive muita sorte.
No dia 07 de Agosto de 2010 enviei por e-mail um pedido de ajuda urgente para o Banco Alimentar Contra a Fome de Caldas da Raínha e de Lisboa, no dia 08 de Agosto fui contactado por uma Dra. Aida Franco da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras, onde tive, juntamente com a minha esposa uma reunião com a tal Doutora, onde nos foram solicitados vários documentos que atestassem a situação de precariedade do meu agregado familiar, documentos que foram entregues à pessoa atrás mencionada no dia 14 de Agosto (2ª Feira, a Dra. Aida Franco só recebe à 2ª Feira das 14 às 17 horas), onde me foi transmitido que teria de esperar a aprovação para a ajuda alimentar e que se esta fosse deferida iria então receber mensalmente e enquanto tivesse necessidade uma ajuda alimentar em conformidade com o meu agregado familiar.
Estive dois meses à espera para receber a primeira ajuda alimentar (recebi uma carta da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras com a data e hora para receber a primeira ajuda mensal, 12/10/2010 das 14:30 às 17:00 horas), e quando me entregaram a tão esperada ajuda de alimentos eu não queria acreditar.
E quem ler estas minhas palavras também não acreditaria, pois foi-me entregue um saco com o nº 93 que continha os seguintes produtos:
1 garrafa de guaraná antárctica de 1,5 Lt.
1 embalagem de creme de avelãs 440 grs.
1 torta de frutos silvestres de 300 grs.
1 pacote de bolachas c/recheio de chocolate de 180 grs.
2 latas de salsichas de 350 grs.
1 lata de salsichas de 250 grs.
2 latas de atum de 120 grs.
1 pacote de esparguete de 500 grs.
Como podem constatar, dificilmente alguém se conseguiria alimentar durante um mês com estes produtos e muito menos duas crianças.
Vejam que os meus filhos nem sequer contaram para nada na “ajuda” prestada, pois não foi comtemplado nenhum produto básico essencial para a alimentação deles como leite, yogurtes, papas, cereais, etc.
Revoltado com a situação enviei por e-mail uma exposição de toda esta situação com as fotos a comprovar a veracidade do sucedido para o Banco Alimentar de Lisboa e de Caldas da Raínha, pois acredito que estes quando me encaminharam para a Santa Casa de Torres Vedras, também acreditaram na articulação com este organismo para me darem apoio, mas até agora não me deram resposta.
Continuo assim com o problema de não ter nem sequer meios para comprar os produtos mais básicos para alimentar os meus filhos, para já não falar que já estou a pagar a rende de casa em parcelas esperando que a compreensão do senhorio não se esgote e que a qualquer momento irei ficar sem luz e sem gás por falta de pagamento.
O meu filho mais velho que entrou este ano para o segundo ciclo já não tem roupa e calçado de inverno que lhe sirva e também não sei como colmatar estas faltas.
Eu apenas quero poder trabalhar, ou será que eu como cidadão que sempre trabalhou, que sempre cumpriu com as suas obrigações não tenho direito a sustentar a minha familia?
Que País é este em que não se tem nenhum direito, que sociedade é esta em que não se tem direito a educar os filhos se não tivermos meios, que País é este em que as pessoas não têm direito a ganhar a seu sustento?
Não sei até quando irei aguentar esta situação de desespero, já esgotei todas as alternativas de onde pedir apoio, não sei mais o que fazer.
Começo a ter receio, medo até, dos pensamentos que me passam pela cabeça, só ainda não fiz uma asneira porque penso neles (meus filhos) e na minha esposa, mas até quando vou suportar esta situação de falta das coisas mais básicas para poder criar os meus filhos, para poder sustentar a minha casa, a minha família.
E o meu filho mais velho? O que pensará de tudo isto? O que pensará deste pai que nem comer consegue pôr na mesa? Já para não falar do resto.

Retirado daqui "Aventar"

8 comentários:

Beezzblogger disse...

´Como devem calcular, não consigo dizer nada, porque embargam-se-me as palavras... Não sei o que futuro nos reservará daqui para a frente...

Mas uma coisa sei, desgraçado daquele que caia nas teias do apoio social do estado, e na mendicidade.

Nada poderei fazer por este cidadão e pela sua família, a não ser o que fiz, dar-lhe voz.

Bom Fim de Semana

Beezz

A. João Soares disse...

Caro Beezz,

Esta e outras reflexões só têm de mim uma saída de humor negro, muito negro. O actual Governo está de parabéns por estar a tentar reduzir a quantidade de pobres no país, abreviando a morte à fome dos que existem e dos que se irão convertendo a esta condição pelas medidas de austeridade.

Não á para rir. É para chorar amargamente, o destino que maus governos deram a este país que foi grande.

Um abraço
João
Do Miradouro

Emília Pinto disse...

Como deve imaginar horrorizou-me este texto até porque deixei de contribuir para o banco alimentar contra a fome por um motivo que vou contar aqui, pois acho que toda a gente deve saber. Eu prefiro ajudar alguém que conheça, mas para esse tipo de instituição não dou mais nada. Tenho uma amiga que fez um determinado favou a uma pessoa; qual não foi o espanto dela, quando um dia essa pessoa aparece a sua casa com um presente para lhe pagar o favor; quando a minha amiga viu ficou estupefacta: O que essa pessoa trazia eram caixas de produtos doados pelas empresas ao Banco alimentar contra a fome; a minha amiga, na minha opinião fez mal; deveria ter mandado a pessoa levar tudo de volta, mas, como sempre acontece, não se quis aborrece; pegou naquelas coisas e deu a pessoas que conhecia e precisavam. É assim, de uma maneira ou de outra, nos somos coniventes, pois não denunciamos essas coisas. Eu conheço um sr que trabalha num lar de idosos; pois a despensa dele está cheia de caixas de artigos doados para essa instiuição; é vizinho de uma amiga minha que viu muitas vezes isso; não quis denunciar; eu não posso fazê-lo, pois não vi, embora tenha a certeza que é verdade. Mas, no caso do presente, pode ter a certeza que mandaria a pessoa levar de volta e ainda com um raspanete bem dado. Infelizmente há pessoas que nos deixam envergonhados e há muitas outras que nos deixam orgulhosas do ser humano. Agora nunca dou nada; tenho várias maneiras de ajudar e se cada um ajudar alguém que conhece muita fome deixa de existir. Parabéns pelo texto e espero que muita gente leia o caso que contei, pois infelizmente é verídico. Um beijinho e até breve
Emília

Diogo disse...

O autor da carta: «Começo a ter receio, medo até, dos pensamentos que me passam pela cabeça, só ainda não fiz uma asneira porque penso neles (meus filhos) e na minha esposa, mas até quando vou suportar esta situação de falta das coisas mais básicas para poder criar os meus filhos, para poder sustentar a minha casa, a minha família.»


Estes casos multiplicam-se a cada dia que passa. Que não demore muito a chegar o dia em que grupos resolutos de homens na mesma situação começam «a fazer asneiras» contra os verdadeiros culpados por toda esta miséria: políticos corruptos, jornalistas a soldo, empresários criminosos e banqueiros assassinos.

Isto precisa de uma solução o mais rápido possível.

Diogo disse...

Carlos Rocha, você apagou o meu comentário anterior. Mas como espera resolver este tipo de injustiças que acontecem a centenas de milhar ou milhões no nosso país? Com choros e lamentações? Com manifestações e greves? Com petições?

Você ainda não compreendeu que estamos a lidar com assassinos?



Fernando Madrinha - Jornal Expresso - 1/9/2007

[...] Não obstante, os bancos continuarão a engordar escandalosamente porque, afinal, todo o país, pessoas e empresas, trabalham para eles.

[...] Quer dizer, as notícias fortes das últimas semanas [...] indicam-nos que os poderes do Estado cedem cada vez mais espaço a poderes ocultos ou, em qualquer caso, não sujeitos ao escrutínio eleitoral. E dizem-nos que o poder do dinheiro concentrado nas mãos de uns poucos é cada vez mais absoluto e opressor. A ponto de os próprios partidos políticos e os governos que deles emergem se tornarem suspeitos de agir, não em obediência ao interesse comum, mas a soldo de quem lhes paga as campanhas eleitorais.

Beezzblogger disse...

Não Caro Diogo, aqui não se apagam comentários, podem demorar a aparecer, que foi o caso.

Cts e boa semana.

@Beezz
Carlos Rocha

fa_or disse...

Um relato mais que chocante. Um exemplo da realidade que cresce a olhos vistos e para a qual impera a impotência...

Zé Povinho disse...

A crise já não é só do desemprego, mas da exclusão , da fome e da miséria. Os males da sociedade não podem ser todos colmatados pelos que ainda têm trabalho, porque mesmo entre eles já bate à porta a miséria e mesmo a fome com os salários de miséria que se praticam. E os velhos e reformados em geral? Também esses, pelo menos uma grande parte sofrem a miséria que aumenta a cada dia que passa.
Este país está a ficar impróprio para gente honesta.
Abraço revoltado do Zé

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