– Um governo que agrava ainda mais as medidas do "memorando de entendimento"
– O aumento da carga fiscal em 2013 será 6,6 vezes superior ao previsto no
"memorando" inicial
por Eugénio Rosa [*]
em resistir info 7/10/2012
Quem tenha ouvido ou lido o discurso escrito de
Vítor Gaspar feito na conferência de imprensa de 3/10/2012, certamente terá
ficado surpreendido com a cegueira ideológica deste ministro e com a sua total
submissão aos credores externos. Metade do discurso (6 de 12 páginas) foi
dedicado a mostrar que a confiança dos mercados tinha aumentado com os "êxitos"
da política do governo ("presunção e água benta, cada qual toma a que quer",
já diz o ditado).
Mas ficou claro que o objetivo principal deste governo é
agradar os mercados. Os portugueses e o país estiveram completamente ausentes do
discurso e das preocupações deste ministro e, consequentemente, também deste
governo. A provar também isso, está a 2ª parte do discurso, em que anunciou mais
medidas para agradar os mercados (credores), mas que vão lançar o país numa
recessão económica mais prolongada e profunda, e agravar ainda mais as
dificuldades já muito grandes dos portugueses. O ministro dá o dito por não
dito, pois anuncia medidas adicionais que desmentem os "êxitos" que tinha
anteriormente referido. E o grave é que Vítor Gaspar, devido à cegueira
ideológica e à submissão aos interesses externos, sejam eles credores ou
governos estrangeiros, não consegue ver que as medidas anunciadas por ele
próprio são a prova clara do completo falhanço da politica que está a ser
seguida. Se os êxitos que anunciou fossem reais certamente não seriam
necessárias medidas tão gravosas.
E é isso que vamos provar de uma forma
quantificada, utilizando os próprios dados oficiais. Se o "Memorando de
entendimento" inicial (versão 17/5/2011), já era gravoso para os portugueses e
para o país, as medidas "cozinhadas" por este governo e pela "troika" são ainda
mais graves.
Contrariamente à ideia que o governo e os seus defensores
pretendem fazer passar junto da opinião pública, Passos Coelho e os seus
ministros não se tem limitado a aplicar as medidas constantes do "Memorando de
entendimento" inicial, que já seriam suficientes graves para lançar o país na
recessão e os portugueses em dificuldades. À socapa e à margem dos portugueses e
da própria Assembleia da República, governo e a "troika", no silêncio dos
gabinetes, têm alterado a versão inicial do "Memorando de entendimento" assinado
em 17/5/2011, introduzindo muitas mais medidas gravosas com consequência
nefastas para os portugueses e para o país. (... )
No "Memorando de entendimento" assinado em
17/5/2011, ou seja, na versão inicial, não constava para 2013, o confisco dos
subsídios de férias e de Natal. Apesar disso, o governo e a "troika" pretendem
confiscar aos trabalhadores da Função Pública um subsidio, e a todos os
pensionistas, com pensões superiores a 600€ por mês, 90% de um subsidio. Isto
significa um corte adicional nos rendimentos dos trabalhadores, reformados e
aposentados que, em 2013, deverá atingir 1.500 milhões €.
Em 2013, o governo
pretende também manter o corte, que consta da versão inicial do "Memorando", de
3.050 milhões € na despesa pública (principalmente em despesas com a saúde, com
a educação, de investimento, etc.).(...)
E como tudo isto já
não fosse suficiente, Vítor Gaspar anunciou na conferência de imprensa uma
"redução da despesa nas prestações sociais, na educação e segurança" de 4.000
milhões € em 2013 e 2014 (será a acrescentar à que consta do "Memorando"?), o
que significa que, em 2013, esta redução da despesa pública poderá atingir 2.000
milhões €.
Do lado do aumento da carga fiscal, a diferença entre o
agravamento previsto no "Memorando de entendimento" inicial e o agora anunciado
por Vítor Gaspar é brutal. Na versão inicial do "Memorando" estava previsto,
para 2013, um aumento da carga fiscal em 775 milhões € (...), e o
aumento da carga fiscal em 2013, anunciada pelo ministro na conferência de
imprensa, atinge 5.104 milhões €, ou seja, 6,6 vezes mais.
Perante estes
dados do próprio governo, dizer, como disse o ministro, que a política seguida
tem sido um "êxito" é mentir ou então revela uma grande ignorância e
insensibilidade sobre as consequências dramáticas desta politica para os
portugueses e para o país.
Se analisarmos a forma como são repartidas
pelas diferentes classes da população (quais são as classes mais atingidas e as
classes menos atingidas) aquela diminuição significativa da despesa pública e o
aumento brutal da carga fiscal em 2013, a gravidade da politica deste governo
ainda se torna mais clara, pois tanto uma como outra afectam principalmente as
classes médias e baixas.
Comecemos pela redução da despesa pública que este governo pretende fazer em 2013. Na versão inicial do "Memorando" estava prevista uma redução de 3.050 milhões €. Vítor Gaspar veio agora anunciar uma redução de 4.000 milhões € em 2013 e 2014, o que significa que, para 2013, poderão ser mais 2.000 milhões €. Se analisarmos a composição da despesa que sofrerá esta redução conclui-se rapidamente que a esmagadora maioria é feita nas despesas com as prestações sociais, saúde e educação (cerca de 4.000 milhões €), portanto uma redução que vai afetar principalmente as classes da população com rendimentos médios e baixos.
Em relação ao aumento da carga fiscal de 5.579 milhões € que o governo tenciona fazer em 2013 (5.104 milhões € agora anunciados pelo ministro, e 475 milhões € constantes da versão inicial do "Memorando" não incluídos no valor anterior) rapidamente conclui-se que 3.625 milhões € (66,2% do total) são no IRS. E segundo estatísticas divulgadas pelo Ministério da Finanças referentes a 2010 (são as últimas disponíveis), 89% do rendimento bruto sujeito a IRS tem como origem rendimentos do trabalho e pensões. Apenas 11% dizem respeito a rendimentos do capital e da propriedade.
Portanto, serão principalmente os trabalhadores e os pensionistas que suportarão
uma grande parcela deste aumento brutal de IRS. E isto a juntar à subida
verificada em 2012 que se manterá. Por ex., a redução da percentagem das
despesas da saúde que podem ser deduzidas no IRS, que em 2012 baixou de 30% para
apenas 10%, determinou para os portugueses um aumento de IRS que se estima em
mais 400 milhões € de IRS. Em 2013, manter-se-á tal situação a que se junta o
aumento de 3.300 milhões € de IRS anunciado por Vítor Gaspar. E a taxa adicional
de IRS de 4% que o governo pretende impor em 2013, é um tipo de imposto que
contribui ainda mais para agravar a desigualdade na repartição da carga fiscal,
pois é uma taxa igual quer se tenha um rendimento mensal de 800€ como de
80.000€.
Este governo é um "campeão" das desigualdades e de insensibilidade, e
não aprende nada com a experiência. O próprio valor do Coeficiente de Gini que
consta dos documentos do ministro – 0,42768 – quando, em 2008 segundo a OCDE,
era 0,353 confirma um enorme agravamento das desigualdades.
Mas não é só pela via do IRS que os trabalhadores e pensionistas sofrerão um aumento brutal da carga fiscal. Também devido ao aumento do IMI. Segundo declarações feitas por Vítor Gaspar, em 2013, o valor das matrizes serão atualizadas e deixará de funcionar a chamada "cláusula de salvaguarda", que impedia que o aumento do IMI num ano fosse superior a 75€. Se esta intenção for para a frente, a receita de IMI passará dos 1.100 milhões € atuais, para 2.200 milhões €, ou seja, os portugueses serão obrigados a pagar, em 2013, mais 1.100 milhões € do que pagaram em 2012. E consta que o governo pretende que esta lei seja retroativa, o que é claramente inconstitucional, ou seja, obrigar os portugueses a pagarem, em 2013, o IMI desse ano e o IMI de 2012, ou seja, 2.200 milhões €. E a maior parte dos contribuintes são trabalhadores e pensionistas.
Mesmo a nível dos rendimentos do capital, quase metade do aumento da receita é obtida por meio da subida da taxa de IRS sobre juros, atingindo também centenas de milhares de pequenas poupanças, portanto muitos pensionistas e trabalhadores serão atingidos.
É evidente que uma diminuição significativa da despesa pública com as funções sociais do Estado associada a este aumento brutal da carga fiscal determinará inevitavelmente uma quebra muito grande da procura agregada interna o que atirará o país para uma recessão ainda mais profunda e prolongada, lançando na falência mais milhares e milhares de empresas, e fazendo disparar ainda mais o desemprego. Só um governo submisso ao estrangeiro, e ávido por agradar os credores e os governos externos, e uma "troika" cega pela ideologia ultraliberal da escola de Milton Friedman é que não conseguem ver para onde estão a atirar Portugal.
E como tudo isto já não fosse suficiente para mostrar que os "êxitos" tão apregoados por Vítor Gaspar e pelos seus defensores são fictícios, e não se traduzem em qualquer melhoria na situação dos portugueses e do país, os dados que o ministro das Finanças distribuiu durante a conferência confirmam o total fracasso da política seguida por este governo. Assim, nos dois anos deste governo e desta "troika" (2011 e 2012), o consumo interno diminuiu em 13,4% (o que determinou uma redução muito grande do nível de vida dos portugueses); o investimento caiu em mais de 25% (menos emprego e menos modernização das empresas); entre 2010 e 2012, a taxa oficial de desemprego subiu de 10,8% para 15,9% (mais 177.000 desempregados); a divida pública aumentou de 161.529 milhões € para 198.100 milhões € (+22,6%); e os juros pagos pelo Estado subiram, no mesmo período, de 4.936 milhões € para 7.523 milhões € (+52,4%).
Mesmo o défice orçamental, que constitui "a menina dos olhos" deste governo e da "troika" em nenhum ano foi alcançado. Para ocultar tal fracasso governo e "troika" têm recorrido a medidas extraordinárias criativas (ex.:sobretaxa sobre o subsidio de Natal; transferência do fundo de pensões dos bancários; venda à pressa e a preço de saldo de empresas públicas, etc.) que antes tanto criticavam ao governo de Sócrates.
Como consta dos próprios documentos distribuídos pelo ministro das Finanças durante a conferência de imprensa, em 2011, o défice orçamental real foi de 7,4% do PIB (o objetivo era 5,9%), tendo sido reduzido para 4,4% do PIB à custa da transferência dos fundos de pensões dos bancários; em 2012, o objetivo era reduzir o défice orçamental para 4,5% do PIB; mas o défice real é de 6%, e mesmo o défice de 5% fixado pela "troika" só será conseguido à custa de medidas extraordinárias (venda ou concessão a preço de saldo da ANA); para 2013, governo e troika fixaram como objetivo reduzir o défice de 6% (o défice real) para 4,5%, ou seja, reduzi-lo em 25%, o que será certamente também impossível com uma economia em recessão cada vez mais profunda, devido a esta politica violenta de austeridade.
Dizer depois de tudo isto que a politica deste governo e da "troika" tem sido um "êxito" como pretendeu fazer crer Vítor Gaspar é dar prova de que ainda não compreendeu a situação em que estão os portugueses e o país. É cada vez mais evidente que não é suficiente um alargamento do prazo em um ano como alguns acreditaram ou pretenderam fazer crer. É cada vez mais claro que não é possível crescimento económico com este "Memorando", e sem crescimento o país afunda-se.
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