Andava numa azáfama, deambulando entre compras e desejos para o novo ano, no ar sentia-se o cheiro a mais um final de ano de arromba, afinal seria apenas mais um, mas vivia-o de forma tão intensa, que parecia o último. Entre, resmungadela e sermão, escolhia aquela para onde estava mais virado, pois, as crianças, com a sua impaciência já me tolhiam o pensamento, e eu queria só pensar na noitada. O telefone toca, eram os meus pais, aqueles velhos, interromperam-me o pensamento, disse para a minha mulher atender, fingindo não estar para ali virado a aturar mais lamechices. O meu pai, homem de 75 anos, que outrora fora “Fundidor”, profissão de alto desgaste, pois suas articulações, nomeadamente nas ancas e joelhos, sofrerem de “Artrite Reumatoide” devido aos maus tratos da profissão, era uma a pessoa de ideias fixas, custava a vergar como se costuma dizer. Minha mãe, de 73, essa mais mole, com um coração fraco (da doença, uma angina de peito), era uma mulher de armas, pois na sua juventude, trabalhou em vários lares, de gente rica, sempre na tentativa de dar os melhores viveres aos filhos. Éramos 2 rapazes, mas cada qual, tinha a sua vida, era raro nos encontrarmos, só em raras ocasiões de cerimónias fúnebres de familiares ou amigos em comum, há um ano que não o vejo. Fui interrompido na minha ansiedade festiva por um chamamento forte, quase berro:
- Jorge! Anda ao telefone, é para ti.
Fiquei apossado de uma cólera espontânea, e retorqui com outro berro, que depois contive, para não me denunciar:
Eu não disse que não estava!
- Olha diz... eu vou já. E fui ao telefone.
- Está, olá pai, então como vai?
- Olá, filho, pensava que tinhas dito que não estavas?
- Oh pai... sabe estou tão atarefado... olhe e a mãe, ela está aí?
- Está lá dentro a chorar, já sabes como ela é, eu é que não tenho paciência, já lhe disse, que nós somos velhos, e os novos, tem de aproveitar a vida, mas ela não compreende...
- Olhe , ó pai, chame-a, aí, que quero eu falar com ela.
Ouve-se, ele a chamar, e ela após, a contenção do soluçar, um já vou muito ténue. E entre um balbuciar lamentoso, disse:
- Diz, meu filho, diz lá...
- Oh mãe, porque choras? Estás doente?
- Estou doente? Estou triste, sabes tu já não ligas aos teus pais, à quanto tempo não vens cá a casa, desde os teus anos que não dizes uma palavra amiga, esse natal, foi bom?
- Oh mãe, lá está você com as lamechices e queixas do costume, porra, olhe digo-lhe já se for para isso, desligo já.
- Ó meu filho, eu só te queria dizer para nos vires buscar para passar-mos o fim de ano contigo, pois o teu irmão está para fora a trabalho...
- Oh mãe nem pense, eu já tenho tudo marcado, vou também passar o fim de ano fora, e além disso, a mãe sabe que com a sua doença, não dá para festas, eu vou aí logo e falá-mos melhor, está bem? Olhe vou desligar, tchau, até logo. Desliguei.
A minha mulher disse-me logo, para tirar dali a ideia de os trazer cá para casa.
Fui lá como combinado, a minha mãe estava deitada e o meu pai a ver a TV, como de costume. Entrei no quarto, e senti uma forte sensação, mas estranha, algo que eu nunca tinha sentido, era como se de repente, me senti-se novamente com os meus 5 ou 6 anos de idade. Recordei-me, de quando estava doente, e a minha mãe me tratava, de como me dava carinho, de como o meu pai, após um dia de árduo trabalho, me ensinava, me acarinhava e incentivava e como ele brincava comigo, ás escondidas, dos brinquedos que ele construía, e depois embrulhava em papel mata-borrão, com laços de corda e de fio de norte. Foi aí, que me abeirei da cama de minha mãe e disse:
- Mãe, que saudades, eu tenho do seu carinho, quero que saibas, que vos vim buscar para não só vocês irem passar a passagem de ano, como também, vos vim buscar para sempre, quero resgatar, esses anos perdidos, o tempo em que não vos dei atenção, perdoai-me minha mãe.
- Olha, meu querido filho, eu sabia, que mais tarde ou mais cedo, tu virias, mas não quero ser um estorvo, não quero criar divisão na tua família, sinto-me satisfeita que tu tenhas posto a mão na consciência, e te tenhas retractado, pois afinal, tu e o teu irmão, são a minha vida...
Olhou ao céu, suspirou e partiu. Foi o dia mais triste da minha vida, aquele era o sinal, pois não mais me perdoarei pelos anos perdidos, chaguei-me ao meu pai, e abraçando-o forte, tirei-o dali, fomos para minha casa, e desde esse dia eu nunca mais deixei meu pai, mas sempre a sofrer pela dor da perda da mãe.
PS: Este texto foi feito por mim Carlos Rocha, em Homenagem a todos os idosos que este ano e todos os anos são submetidos ao abandono, quer em hospitais, Lares, ou quer em suas próprias casas. Esta história serve porém para alertar consciências, para dar uma pedrada no charco, e acordar os dormentes, pois poderá ser tarde de mais, e tudo ficará por dizer, por sentir e por chorar.
A TODOS OS QUE SOFREM DE SOLIDÃO E ABANDONO EU LHES DESEJO UM FELIZ 2007
4 comentários:
beezz, infelizmente uma dura realidade.
É que muitos filhos que abandonam os pais, esquecem-se que amanhã, poderão ser eles os pais, a ser abandonados pelos filhos. É um drama humano muito complicado de digerir. Mas temos que fazer alguma coisa, para que situações como desta história, não aconteçam...
Abraços
Mário
Amigos confesso, que ao escrever esta história, principalmente a parte final, estive largos minutos em que não consegui mexer um dedo, pois as lágrimas corriam face abaixo, infelizmente, existem por este mundo fora, situações destas ou piores, sem que alguém sequer ouse em falar delas, eu pelo menos, consegui acabar o texto, com erros é certo e só o corregi horas depois. Penso que o fiz subconsciente mente, afinal chegou-me aos ouvidos que esta quadra Natalícia foi deveras desastrosa nestes casos...
Abraços do Beezz
Já comenteino outro lado amigo beezz!
Uma realidade que vale pelo fim.Mais vale tarde que nunca!!
Mário
Realidade da desumanidade, da ingratidão e sobretudo da monstruosidade.
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