12 novembro 2006

RELIGIÃO E (IN)FELICIDADE

Como tem sido aqui dada oportunidade de podermos aumentar a nossa capacidade de reflexão acerca de assuntos religiosos, julgo interessante trazer o artigo do padre Anselmo Borges que foca «o perigo patológico das religiões». É um tema já por mim abordado em tópicos e em troca de e-mails. Vale a pena meditar sobre as razões da «invenção» do Inferno com as suas chamas e horrores, bem como do «Apocalipse»; e sobre as alegrias sádicas dos «bons» ao imaginarem o sofrimento dos «maus» a cumprir as penas do Inferno. Em vez do livre-arbítrio e da liberdade responsável, na procura de felicidade total, muitas pessoas têm na religião algemas, restrições e temores de castigo eterno que tornam a sua vida numa angústia permanente. Sendo Deus Amor e generosidade paternal, podem ser considerados blasfemos aqueles que defendem a condenação e a exclusão dos «ímpios».
Sugiro a leitura dos livros sob o título «CONVERSAS COM DEUS» (3 volumes), de NealeDonald Walsch, editora Sinais de Fogo.



Religião e (in)felicidade

Anselmo Borges, Padre e professor de Filosofia, DN 061112

Sobre o inferno escreveu Tomás de Aquino: "Aos bem-aventurados não se deve tirar nada que pertença à perfeição da sua bem-aventurança. Ora, cada coisa conhece-se melhor pela comparação com o seu contrário. E, por isso, para que os santos tenham mais satisfação na bem-aventurança e dêem por ela abundantes graças a Deus, concede-se-lhes que contemplem com toda a nitidez as penas dos ímpios.
"Muito antes, Tertuliano, Padre da Igreja, tinha escrito: "Que espectáculo grandioso! Exultarei, contemplando como tantos e tão grandes reis, dos quais se dizia que foram recebidos no céu, gemem nas trevas profundas. A visão de tais espectáculos, a possibilidade de que te alegrarás com tais coisas - que pretor ou cônsul ou questor ou sacerdote poderá oferecê-la, por muita generosidade que tenha?"
Não duvido de que subjacente a estes textos se encontra a ideia de que um dia será feita justiça. A injustiça é intolerável. Mas, sub-reptícia e inconscientemente, aninha-se neles muito sadismo. A crença no inferno foi uma das polícias mais eficazes de todos os tempos. No entanto, o inferno não faz parte do Credo cristão e só pode pregá-lo quem nunca meditou no mistério insondável da liberdade humana, mergulhada nos condicionamentos da temporalidade. Aliás, mesmo do ponto de vista conceptual, o que é que pode querer dizer uma condenação eterna? Às acusações de que deste modo se está a abrir caminho à irresponsabilidade e ao vale-tudo deve responder-se que o amor não banaliza, mas responsabiliza, devendo acrescentar-se que Deus só levará à plenitude as possibilidades concretizadas pelo ser humano no tempo.
Não constitui nenhum exercício de masoquismo lembrar que, desgraçadamente, para um número indeterminável de homens e mulheres, a religião, cujo núcleo é a salvação e a felicidade plena, em vez de ser o espaço da alegria, da expansão e da vida, foi, de facto, o espaço da tristeza, da humilhação e da morte. Penso, por exemplo, em todos aqueles que foram e são vítimas de ódios e guerras cruéis e sanguinárias com base na religião. O horror, pura e simplesmente!
Penso, claro, nas vítimas da Inquisição e em todos quantos, em todas as religiões, foram e são vítimas de censura, condenação e exclusão por motivos teológicos. Pergunto-me frequentemente como é que houve e há quem se arrogue o direito e até o dever de "definir" quem e o que é Deus e a partir daí condenar e excluir.
A história da missionação é uma história de generosidade sem nome, mas também se não pode esquecer ter tantas vezes servido interesses imperiais e assim contribuído para arrasar culturas.
Penso na história das relações entre as religiões e a sexualidade e nas vidas sexuais envenenadas e nos celibatos eclesiásticos obrigatórios e nos seus dramas e desgraças. Penso em certo tipo de confissão auricular que poderá ter ferido os direitos humanos.
Penso nas mulheres cujos direitos em igualdade com os homens as religiões de modo geral não reconhecem e sobretudo nas acusações de bruxaria que as levaram à fogueira.
O mais pernicioso foram e são ideias teológicas mesquinhas e ridículas. Também por isso, nomeadamente Buda, Confúcio, Sócrates e Jesus, figuras determinantes para a Humanidade e de cuja profunda religiosidade ninguém pode duvidar, foram considerados ateus. Sócrates concretamente bebeu a cicuta, acusado de ateísmo, e Jesus morreu na cruz, acusado de blasfémia.
Estes factos obrigam a ter constantemente presentes, com temor e tremor, os perigos patológicos das religiões. Talvez nunca se tenha meditado suficientemente na grandeza heróica daqueles que preferiram o ateísmo a ficar presos de um deus que humilha, escraviza e anula o Homem.
No entanto, o Homem é por natureza religioso, no sentido de estar constitutivamente aberto à questão de Deus enquanto questão. Essa abertura, independentemente da resposta, positiva ou negativa, que se lhe dê, é que é o fundamento último da dignidade humana. Precisamente porque é abertura ao infinito.
A religião enquanto fé no Deus infinito e pessoal foi mediadora da tomada de consciência da infinita dignidade de ser Homem. Esta é a intuição e a parte de verdade da tese de Feuerbach ao querer reduzir a teologia a antropologia. Esta reflexão tem na sua génese a carta de uma colega a confessar-me a experiência traumatizante do pavor do inferno na infância, que a levou ao abandono da prática religiosa. Não deixou, porém, a fé na mensagem de que Deus é Amor, continuando a acreditar nos valores cristãos e a tentar praticá-los.

2 comentários:

Anónimo disse...

Bom post amigo AJoão Soares.
Efectivamente o Homem é um ser crente.Necessita de acreditar.Mal do homem que não tem FÉ!

O inferno é um símbolo que visa demonstrar a diferença entre o bem e o mal.É castrador,mas não passa disso mesmo.Deus não prega o mal,não o podia praticar.Como é que Deus disse para nos perdoar-mos e ele não perdoaria,queimando os "maus".

Eu acredito que há um juízo final.Espero que sim.
Mas o inferno é aqui na nossa vida existencial-humana!

Por isso sou contra a pena de morte.Quem é o Homem para condenar-se entre si à morte?
Será justo um tribunal "parcial" condenar Sadan à morte?Sou apologista que o condenem a prisão perpétua,mas à morte,sou contra,como sou contra a pena de morte aqui manifestado em posts anteriores!

É um tema magnífico que merecerá segundo e terceiro round!

Abraços
MR

david santos disse...

É assim, Amigo, Mário. Valores são sempre valores. Pode haver dogmatismo em tudo, mas se segurarmos os valores, de pouco interessa o resto.
Um abraço.

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