01 novembro 2006

Maomé e a Guerra Santa

... parte XII

Perda irreparável

Um dos acontecimentos mais tristes para a Humanidade foi, sem a mínima dúvida, a destruição da grande Biblioteca de Alexandria, a maior do mundo na época. O relato deste infeliz episódio é feito pelo sábio Abu Al-Faradj e os historiadores de todos os tempos contaram e recontaram esta história, sempre com profundo pesar. De facto, esta perda cultural é inestimável. Só se pode imaginar a quantidade imensa de saber egípcio que lá estava depositado, como por exemplo a história das dinastias faraónicas e todo o lirismo do Egipto Antigo, para não falar ainda de uma perda talvez maior, a do saber grego, que tinha sido perpetuado pelos estudiosos de Alexandria. Esta biblioteca continha a melhor e mais completa colecção de textos gregos, acompanhada de séculos de estudo dos mesmos.
Vejamos o que diz Gibbon quando escreve sobre este episódio: "O espírito de Amru era mais curioso e liberal do que o dos seus compatriotas, e o chefe árabe gostava de passar as horas de lazer a dialogar com João, último discípulo de Mónio, a quem cognominaram de Filópono, devido aos seus laboriosos estudos de gramática e filosofia. Afoitado por esta familiaridade, Filópono atreveu-se a solicitar um presente, inestimável na sua opinião, desprezível aos olhos dos bárbaros árabes: a biblioteca real, o único entre os despojos de Alexandria que escapara à vistoria e ao selo do conquistador. Amru estava disposto a satisfazer o desejo do gramático, mas a sua escrupulosa integridade recusava-se a alienar a mais pequena coisa sem consentimento do califa; e a famosa resposta de Omar foi inspirada pela ignorância de um fanático: Se os escritos dos gregos estão de acordo com o livro de Deus, são inúteis e não necesitam ser conservados; se dele descordam, são perniciosos e devem ser destruídos. Esta setença passou logo à prática com cega obdiência: os volumes em papel ou pergaminho foram distribuídos pelos quatro mil banhos da cidade para serem queimados e assim aquecerem a água; e tal era o seu incrível número que seis meses não chegaram para consumir este precioso combustível. (...) A rigorosa sentença de Omar não é compatível com os preceitos mais idóneos e ortodoxos dos casuístas maometanos".
"Estes declaram expressamente que os livros religiosos dos judeus e dos cristãos adquiridos pelo direito da guerra nunca devem ser lançados às chamas; e que as obras profanas dos historiadores ou dos poetas, dos médicos ou dos filósofos podem ser legitimamente aproveitadas para uso dos fiéis. Talvez se deva atribuir um zelo mais destrutivo aos primeiros sucessores de Maomé(...)".
Sblinhe-se que, naquele tempo, já a biblioteca não continha os quatrocentos ou setecentos mil volumes que existiam aquando da dinastia ptolemaica. O incêndio acidental causado por César e o fanatismo destruidor dos cristãos dos primeiros séculos provocaram sérias baixas na colecção. Porém, este último incêncio destruiu irremadiavelmente todo o conteúdo; e as poucas obras de Alexandria que sobreviveram até aos nossos dias tiveram a sorte de já fazerem parte naquela altura de bibliotecas particulares, como as dos patriarcas.
Leia-se ainda o que diz Gibbon, de modo bastante irónico, no final da descrição deste episódio: "(...) mas se o enorme acervo da controvérsia ariana e monofisista foi realmente aquecer os banhos públicos, um filósofo poderá admitir; sorrindo, que esses escritos tiveram finalmente algum préstimo para o género humano".
continua...

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