29 novembro 2006

Balada da Neve












Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
– e cai no meu coração.

Augusto Gil (1873 - 1929 )

Augusto César Ferreira Gil nasceu em Lordelo do Ouro (Porto), em 1873.Estudou inicialmente na Guarda, donde os pais eram oriundos, e formou se em Direito na Universidade de Coimbra. Começou a exercer advocacia em Lisboa, tornando se mais tarde director geral das Belas Artes.

Frequentador de tertúlias literárias, reconhecem se na sua obra influências de Guerra Junqueiro, do simbolismo e, pela sua veia popular, de João de Deus. Também influenciado pelo lirismo de António Nobre, a sua poesia insere-se numa perspectiva neo romântica nacionalista.

Cultivou uma poesia simples, de tom sentimental e nostálgico, coloquial, por vezes satírica, retratando circunstâncias prosaicas do quotidiano.Augusto Gil faleceu em Lisboa, em 1929.

Obras poéticas: Musa Cérula (1894), Versos (1898), Luar de Janeiro (1909), O Canto da Cigarra (1910), Sombra de Fumo (1915), Alba Plena (1916), O Craveiro da Janela (1920), Avena Rústica (1927) e Rosas desta Manhã (1930).Crónicas: Gente de Palmo e Meio (1913).

Meus amigos perdoem-me, mas não resisti hoje que tb eu estou nostálgico, a publicar este poema de um dos poetas que mais gosto.

Um abraço para todos os bloggers

4 comentários:

Anónimo disse...

Bendix2006, muito obrigado pela publicação do texto. sempre pensei que era um poema da Florbela Espanca! :/ Também eu tnho um fraco pelos autores românticos e decadentista, recomendo-lhe alguns contemporâneos como António Feijó, Soares de Passos, Gomes Leal, um certo João de Deus. O poema "Noivado do sepulcro" é talvez o poema maior do nosso romantismo. abraço.

Abraço

Anónimo disse...

Noivado do Sepúlcro?É de João de Deus?Caro Bendix,obrigado por nos trazer um poema do tempo de escola...que bem soube!

Abraços
Mário

Anónimo disse...

Não, é do Soares de Passos :)

Anónimo disse...

é apenas um relato, ms hoje acordei pensando e meu avô, e neste poema que muitas vezes me fez viajar pela minha imaginação de criança brasileira, carioca que nunca viveu o encantamento do cair da neve, mas que traz em seu coração a essência do sentimento e do relato do autor. Hoje tenho 52 anos, e revivi a minha infância e os belos aprendizados que pude desfrutar no convívio cotidiano com meus avós e familiares. Estou feliz e agradecida.

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